sábado, 12 de junho de 2010

Estudo de Caso

O paciente dormia sobre o leito. Horário de visita. À luz cor de açafrão que chegava do poente através da janela entreaberta da enfermaria, seus dois visitantes conversavam.

O médico fala ao Mestre Taoísta:


- A doença que temos em frente tem tantas causas, tantos fatores relacionados... Tem toda uma história - e por que não dizer - uma pré-disposição familiar a ser investigada através de métodos profundos e acurados. Pode se manifestar de diferentes formas no mesmo indivíduo, e em indivíduos diferentes. Faz parte de uma rede de eventos que incluem desde a intrincada inter-relação social, até os mecanismos microscópicos do metabolismo intra-celular. É como se um simples órgão ou tecido afetasse toda uma conjuntura inter-planetária, cósmica. E como se não bastasse esse enigma ser complexo de forma estática, ainda está incluído na dinâmica passagem do tempo. A cada instante, uma configuração diferente. Como um quebra-cabeças cuja posição das peças e o formato dos encaixes mudasse a cada minuto.

Nesse ponto da conversa, o médico toma um gole d'água. Levanta a sobrancelha direita, satisfeito com as colocações que acabara de fazer. O Mestre mantém-se atento, num sorriso cortez e paciente.

Elevando um pouco mais o tom de voz, o médico prossegue:


- O senhor me perdoe a franqueza, mas para mim, parece mágica tola e iverossímil, que a cura para isso possa ocorrer através de simples misturas de ervas, chazinhos e substâncias. - Neste ponto, o médico faz a mímica de esmagar folhas e misturá-las num copo - Pior ainda, é acreditar que a inserção de agulhas possa fazer alguma coisa! - Finge inserir uma agulha de acupuntura no próprio braço. - Ah, ou ainda curar-se os males com passes místicos das mãos! - E imita movimentos de Tai Chi Chuan.

Dá uma risada. Toma mais um gole de água.

O Mestre, após certificar-se de que seu companheiro parara de falar, pensa por um instante. E sem alterar o brilho jovial nos belos olhos estreitos, retruca:


- Concordo com cada palavra, vírgula e ponto! Penso da mesma forma! Inclusive no que diz respeito às ervas, extratos e substâncias - o Mestre finge engolir um comprimido, e depois, uma colher de xarope. Tenho a mesma opinião sobre o que o senhor disse das agulhas, - imita a preparação de uma injeção, e finge injetá-la no próprio braço - e sobre o movimento mágico das mãos! - Simula a colocação de luvas cirúrgicas, e um corte de bisturi.

E, sob o olhar sério do médico, assevera:


- E não é um verdadeiro milagre que, após serem submetidos a tantas "mágicas", os nossos pacientes continuem vivos e sejam curados? A Vida é realmente maravilhosa!

Junta as palmas das mãos, e curva-se em saudação respeitosa. Passa levemente a mão sobre a destra do paciente ainda adormecido, e sai da enfermaria, deixando o médico sozinho com seus pensamentos.

2 comentários:

  1. A resposta do Mestre se transformou em um espelho onde refletiu a imagem do interlocutor e ao juntar as palmas das mãos, e curvar-se em saudação respeitosa o Mestre poliu o espelho deixando-o menos embaçado diante do interlocutor. Ou não?

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